Declaração
Nós, a juventude da América Latina e do Caribe
INTRODUÇÃO
Quem escreve e assina essa declaração é um grupo de jovens latino-americanos que há muito esteve ausente das discussões sobre governança da Internet (IG). É por isso que hoje queremos fazer ouvir nossas vozes.
Com esse propósito, nós, participantes do Programa Youth@IGF 2015, que já treinou mais de cem jovens entre 18 e 25 anos sobre questões relacionadas com a GI, usamos a nossa voz nesta declaração a ser apresentada no Fórum de Governança da Internet (IGF) realizado em João Pessoa, Brasil. Apresentaremos princípios que nós, os jovens da América Latina e do Caribe, identificados para o desenvolvimento futuro da Internet, essa magnífica ferramenta que é essencial para a capacitação, empoderamento e desenvolvimento sustentável na nossa região.
A governança é o trabalho em equipe dos diferentes setores que buscam o mesmo objetivo: "uma Internet livre, transparente e inclusiva", mas que se esquece das e dos jovens.
Como são incluídos os jovens nessa questão? Em primeiro lugar, é preciso destacar que, segundo a Organização Ibero-Americana da Juventude, em 2015 há na América Latina e no Caribe cerca de 160 milhões de jovens. Em termos geracionais, um quarto da população mundial é composta por nós, os jovens que aproveitaram a implementação de um mercado crescente da Internet na América Latina.
Em números, a taxa de acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), aumentou em 61% entre 2002 e 2011 em comparação com outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com o maior nível de utilização da Internet entre os jovens com idades compreendidas entre 15 e 24 anos e jovens-adultos entre 25 e 34 anos.
No entanto, o aumento da utilização das TICs não implica que elas sejam utilizadas de forma adequada. As redes sociais continuam a ser os aplicativos favoritos da juventude, existem regiões que não possuem acesso à Internet e há diversos jovens que não possuem acesso a computadores.
Por essa razão, e conscientes das necessidades existentes na América Latina, a primeira declaração de um grupo unido de jovens latino-americanos reflete nossas ideias, pensamentos e paixões, mas também o que nós pensamos sobre o nosso papel na GI.
Portanto, reiteramos a necessidade de delimitar princípios fundamentais que nós, como jovens, consideramos essenciais para o ecossistema de GI.
PRINCÍPIOS
Como reafirmado pelo ex Relator Especial para a Promoção e Proteção da Liberdade de Opinião e de Expressão da ONU, Frank la Rue, “O acesso à Internet é um direito humano básico”, almejamos o patamar de um mundo totalmente conectado, e que toda e qualquer pessoa tenha acesso irrestrito para a utilização e construção da Internet, possibilitando uma rede aberta e diversa que garanta o espaço para todos, seguro e sem privilégios. Portanto, consideramos necessária que essa lista de princípios receba tratamento de padrões internacionais, em matéria de Direitos Humanos. Além disso, exigimos que os Estados se comprometam em respeitar e incluí-los nas legislações em benefício das e dos usuários da Internet.
Entendemos como princípios, preceitos que gozam de aceitação geral. Dentro da Internet, Identificamos a existência de muitos deles, dentre esses, queremos falar dos que são fundamentais para nós. São eles:
- Universalidade
- Liberdade
- Diversidade
- Neutralidade da rede
- Privacidade
- Segurança
UNIVERSALIDADE
Enfatizamos que o acesso aos serviços digitais, às tecnologias de informação e comunicação, especialmente a Internet, deve ser universal, garantindo, principalmente, a inclusão de todas e todos os jovens vulneráveis através de acesso irrestrito, acessível e de qualidade com a finalidade de que eles se tornem uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento social e humano da região.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, fazemos um chamado para que sejam adotadas medidas necessárias para universalizar os serviços digitais e o acesso à Internet, estimular o desenvolvimento e investimento de novas redes de banda larga para atingir cobertura nas áreas mais remotas e inacessíveis, promover o desenvolvimento de infraestruturas e promover os processos de apropriação e formação para que os jovens possam aproveitar essas ferramentas de forma eficaz.
LIBERDADE
Entendemos que a Internet é uma tecnologia que nos permite ampliar os limites da liberdade que temos, para adquirir e compartilhar conhecimento, assim podemos nos expressar sem medo de censura e transformar a realidade à nossa volta. Mas, apesar disso nós, jovens, não sentimos que essas liberdades são suficientemente promovidas em nossa região, sendo que em muitos países há perseguição e assédio.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, somos chamados a construir o futuro, mas, nos negam os espaços e os meios para exercer nosso direito de participar no desenvolvimento de uma Internet mais livre e aberta, onde podemos buscar, receber e divulgar todos os tipos de informações. É necessário reconhecer e respeitar as nossas dissidências. Acima de tudo, exigimos que nossas vozes sejam ouvidas e incluídas neste diálogo para que conquistemos um mundo e uma Internet que nos pertence, pois somos uma força de progresso e mudança para o desenvolvimento socioeconômico e inovação tecnológica.
DIVERSIDADE
Compreendemos a diversidade como inclusão dos grupos sociais que se encontram em situação de vulnerabilidade, como as mulheres, povos indígenas, grupos LGBT, pessoas com necessidades especiais, etc. Todas as pessoas, sem distinção alguma, devem ter acesso à Internet em condições de igualdade, assim alcançaremos a diminuição da exclusão digital.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, exigimos que a Internet seja um espaço de convergência e harmonização das diferenças culturais, sexuais e linguísticas, o que permitirá a promoção das diversidades.
NEUTRALIDADE DA REDE
Acreditamos que a Internet deve permanecer aberta e neutra, assegurando um tratamento sem discriminação em função de conteúdo, sites e plataformas, permitindo, dessa forma, qualquer tipo de comunicação. Neste ponto, é necessário garantir que a gestão de tráfego se realize unicamente por critérios técnicos e éticos.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, solicitamos que o princípio de neutralidade da rede seja respeitado com a finalidade de que não encontremos nenhum tipo de obstáculo que influencie no desenvolvimento e inovação dos aplicativos, serviços digitais, TICs e, por sua vez, possamos exercer, completamente, nosso direito à liberdade de expressão e acesso à informação sem medo de práticas restritivas de tráfego ou controle de informações.
PRIVACIDADE
O princípio de privacidade na Internet consiste na proteção e respeito às comunicações, informações e dados que as pessoas geram, publicam e acessam por meio das novas tecnologias da informação e comunicação. O direito à privacidade está garantido em todas as constituições dos países latino-americanos. Apesar de ter sido concebida para funcionar no mundo analógico, a privacidade estende-se ao domínio digital e, portanto, exigimos que haja respeito por parte dos governos de nossa região.
O direito ao anonimato, a proteção dos dados pessoais, a proteção frente à vigilância massiva e retenção de dados, na Internet, são direitos fundamentais e devem ser garantidos para todas e todos os(as) usuários(as) da Internet. Uma vez que são importantes para que nós, jovens, nos desenvolvamos livremente na Internet, é importante que tenhamos acesso à Internet sem restrição alguma ou medo de futuras represálias.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, exigimos que o nosso direito de nos expressarmos de maneira anônima seja respeitado e nenhum governo ou organização possa obrigar a nos identificarmos.
SEGURANÇA
Por um lado, a juventude acessa diariamente a internet; É um espaço onde nós desenvolvemos e nos expressamos livremente, por isso apoiamos o desenvolvimento de tecnologias, criadas pelos técnicos e a sociedade civil para a proteção de nossos direitos na rede.
Por outro lado, exigimos dos governos e organizações desenvolvedoras de hardware e software que não utilizem ferramentas para realizar vigilância e compilação de dados sem ordem de um juiz competente e com motivo justo. Rejeitamos o uso excessivo da força, como a utilização de malware e spyware, para interceptar ilegalmente nossas comunicações, dados e megadados.
Nós, os jovens da América Latina e do Caribe, reiteramos que a Internet seja uma rede segura e livre.
Estes são os princípios que consideramos essenciais para capacitar jovens na Internet. No entanto, também entendemos que não é apenas a partir dos princípios que devemos enfrentar nossas demandas, mas também de nossas próprias experiências. Estas dão-nos um exemplo vivo de como esses princípios delineiam a nossa participação na GI.
EXPERIÊNCIAS JUVENIS POR TRÁS DESSA DECLARAÇÃO
Em fóruns de GI
Como Jovens que participam ativamente no ecossistema de Internet em diferentes papéis, nós temos notado pouca continuidade em temas da GI relacionados à juventude. Percebemos que isso acontece devido a várias razões, entre as quais destacamos a falta de informação por parte das comunidades juvenis sobre os acontecimentos da Internet. E é por isso que queremos gerar um compromisso para nossa geração e para as futuras através da educação e disseminação dos conceitos de Governança e ao mesmo tempo fomentar o debate entre os jovens.
Nós constatamos que os principais empecilhos encontrados para uma participação ativa pela juventude são o idioma e a questão econômica. Consequentemente, temos o desafio de gerar mais oportunidades que permitam romper esta barreira e levar maior participação jovem aos fóruns de GI locais, regionais e internacionais. Para isso, desejamos apoiar, gerar e solicitar mais oportunidades e participar ativamente das iniciativas de bolsas para atender os fóruns de governança e, assim, demonstrar que a voz dos jovens está presente.
Além disso, temos a intenção de quebrar paradigmas atuais e contribuir para dar a forma e a evolução da Internet do futuro. Para alcançar isso, nós reconhecemos que incentivar a participação da juventude formada em diferentes ramos é fundamental para os IGF. Nós acreditamos que o elemento multidisciplinar deve prevalecer para criar uma perspectiva dos jovens, que não se limita a repetir modelos pré-estabelecidos.
A experiência Youth @IGF
O programa Youth@IGF 2015 começou com uma chamada que motivou os jovens da região da América Latina e do Caribe, entre 18-25 anos, a participar de um curso através do qual eles poderiam obter uma bolsa para participar do IGF. Na primeira lista, fomos selecionados em cento e vinte e seis jovens de toda a região.
O programa consistiu em quatro semanas de curso on-line, tutelados e fornecidos pela Internet Society (ISOC) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.BR). Não foi apenas teórico, também teve uma forte interação entre os próprios jovens, havendo bate-papo semanal e discussões em cada grupo. Nesta fase, nos aproximamos da base da GI e aprendemos, não só a teoria, como também, as experiências e pontos de vista dos outros. Finalmente, tivemos a oportunidade de participar de reuniões on-line com especialistas sobre questões como a privacidade, a segurança, a governança da Internet, entre outros.
Depois de um processo que testou nosso tempo, a capacidade de interagir com jovens de outras partes do continente, para estudar questões relacionadas com a GI, com reflexão e análise dos temas mencionados, fomos setenta e três jovens selecionados.
O trabalho em TICs fora dos fóruns de governança
Através da nossa participação, descobrimos que há poucos espaços locais onde os jovens podem participar das discussões sobre GI. Embora existam grupos de trabalho e outras ferramentas a nível internacional, geralmente no âmbito local, temos uma falta substancial desses tipos de iniciativas.
Além disso, as discussões de governança não acontecem em um dos lugares mais importantes para os jovens: as instituições de ensino. Portanto, entendemos que é necessária uma difusão destas questões nas instituições de ensino médio e superior para envolver os jovens estudantes no desenvolvimento da mesma, através da promoção de uma abordagem multidisciplinar.
Finalmente, é primordial reconhecer que o trabalho local deve envolver perspectivas multi-stakeholder. Os jovens a serem incluídos no âmbito das atividades locais, devem fazer parte de diferentes contextos.
CONCLUSÃO
Primeiro
Pretendemos dar início ao envolvimento da juventude da nossa região, na busca por tornar a Internet em um espaço e ferramenta voltados ao emponderamento plural e participativo, no qual toda a diversidade de vozes, que caracteriza a nossa região, deva se fazer presente nesta missão. Compreendemos, a partir da nossa realidade, comungando com a experiência do Youth@IGF, o valor imprescindível de relacionar as possibilidades trazidas pela Internet aos desafios presentes na realidade latino-americana. Desafios, estes, que não serão superados, simplesmente, com acesso à Internet ou a presença nas redes sociais, mas pelo protagonismo da sociedade latino-americana, e, como jovens, temos um papel fundamental na busca de um mundo melhor.
Esta declaração nasce, essencialmente, do reconhecimento desse papel, a partir da nossa visão enquanto jovens cidadãos latino-americanos, sobre como entendemos a Internet não apenas enquanto uma ferramenta neutra, mas com dois gumes: ela é capaz de ampliar e estreitar esferas comunicativas, bem como impulsionar a difusão de conhecimento e o desenvolvimento de uma sociedade global sustentável; contudo, ela é, também, um instrumento de controle e vigilância que, como ficou explícito em 2013, reflete as assimetrias de condições, entre os países, de se proteger dos abusos.
Segundo
Nesse sentido, reconhecendo uma defasagem democrática nos espaços de Governança, bem como reiterando a importância da universalidade da Internet e o fortalecimento da robustez e segurança da rede contra esses abusos, assumimos o compromisso com um conjunto de demandas, que tampouco são exclusivas à juventude. Dentre elas, a relevância de se aprofundar a discussão sobre a forma que a GI é praticada, ponderando sobre a defasagem de participação no ecossistema da GI e o tipo de multissetorialismo que melhor se adequa às condições de fortalecer a Internet contra os abusos. A Internet é uma importante ferramenta de emponderamento regida por princípios, princípios esses que precisam adaptar-se à diversidade de realidades, começando pelo exercício da própria língua na plenitude dos espaços, oficinas e fóruns de GI.
Terceiro
Reafirmamos o papel fundamental da juventude e de suas organizações, como expresso no parágrafo 11 da Declaração de Princípios da Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação (CMSI), “(…) deve-se fomentar suas capacidades enquanto estudantes, desenvolvedores, contribuintes, empresários e responsáveis pela adoção no processo de tomada de decisões. Devemos centrar, especialmente, na juventude que não teve, ainda, a possibilidade de aproveitar plenamente as oportunidades que brindam as novas TICs. Também estamos comprometidos em garantir o desenvolvimento das aplicações e a exploração dos serviços das TICs (…)”. O papel que desempenham as jovens e os jovens também foi destacado no Programa de Ação Mundial para a Juventude, onde se identificam as TICs como uma das 15 esferas proprietárias, pois podem dar aos jovens e às jovens a oportunidade de superar os obstáculos da distância e desigualdades socieconômicas. Além disso, a Cúpula Mundial da Juventude da União das Telecomunicações Internacionais, firmada em 2013, declarou que a juventude é a força do progresso decisório para melhorar a democracia e como o acesso deles à informação pode melhorar a inovação em escala mundial (Declaração da Cúpula Mundial de Juventude BYND 2015). Embora tenha-se conquistado certos avanços, faz-se necessário investir maiores esforços em garantir a materialização destes programas e declarações.
Quarto
O grupo constituído a partir desta Declaração, despertou, a partir do intercâmbio de aprendizado realizado entre seus participantes, durante o programa Youth@IGF, a necessidade de expandir essa troca de saberes com outras juventudes. Nasce, então, o Observatório da Juventude, que tem como missão incentivar os jovens da América Latina e Caribe a se tornarem atores de sua própria realidade na construção da GI, participando ativamente de discussões e criando conteúdos, a fim de construírem uma Internet mais democrática e acessível para todas e todos.
Pensando em um meio em que os jovens pudessem se manter ativamente participativos, foi proposto a criação de uma plataforma, onde dentro dessa plataforma serão criados fóruns para debates, haverá publicação de trabalhos de pesquisa e aprofundaremos o acesso à informação através da disponibilização dos conteúdos. Contribuindo para a construção de um conhecimento cada vez mais sólido que atenda e envolva todos os atores do ecossistema da Internet. Um lugar onde o jovem possa ter sua voz emponderada e valorizada, no qual venha a se tornar um protagonista.
Quinto
Não poderíamos deixar de finalizar esta Declaração sem agradecer a todos aqueles que tornaram possível nossa participação no IGF em João Pessoa.
Ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e ao Núcleo da Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), em especial, a Thiago Tavares e Nathalia Sautchuk por apoiarem a participação dos jovens como atores para a construção da GI, nosso muito obrigado pela confiança.
A Internet Society (ISOC), em nome da Raquel Gatto, as nossas tutoras, Marilia Monteiro, Natalia Enciso, Sheba Mohammid e aos nossos tutores Rodrigo Afonso e Rodrigo Nejm; Acreditar no aprendizado e apoiar o desenvolvimento da pesquisa e da academia é a maneira mais nobre de construir pessoas melhores que desejam garantir um futuro melhor, por isso, nós participantes do Youth@IGF gostaríamos de lhes agradecer.
Agradecemos, também, as empresas Google, Intel e Verizon, por apoiarem iniciativas como o Youth@IGF que tem por finalidade a capacitação de jovens no meio da GI, nosso muito obrigado.
Por fim, gostaríamos de convidar a todas e todos os jovens participantes deste IGF 2015, remota ou presencialmente, a somar na atualização dessa Declaração. Após o encerramento do IGF em João Pessoa, essa Declaração será aberta e disponibilizada na Internet para que a juventude, individualmente ou por meio da organizaçao a qual faça parte, colabore na sua redação para construir um documento que expresse a real diversidade da juventude para o próximo IGF.